Messages in a Bottle

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segunda-feira, outubro 25, 2004

Less is More

Como adoro que continues parvo e como não suporto o idiota que és.

Como eu mudei, como as coisas permanecem, como tudo muda simplesmente e como tu insistes em chegar atrasado.

O que sentes mostras ao esconder e disfarças com medo da dúvida. Existimos a ritmos diferentes e alternamos a vontade de estarmos juntos com o medo de tudo falhar e com o medo de nada desaparecer e com o medo de tudo e nada ser tudo o que sempre teremos.

És cruel como os bichos são. És mau apenas por seres tu. Entras em jogos perversos e mudas as regras sem motivo aparente. Eu não gosto destes jogos - somos obrigados a encaixar o que sentimos em jogadas subtis e dissimuladas, só para não mostrar, revelar, expôr, sentir, gostar, amar...sem medo. Alternas as jogadas com medos e incertezas e tudo o que é simples torna-se confuso apenas por respirar o mesmo ar que tu. À simplicidade da coisa sucede o ritual mecânico da jogada racional elaborada num episódio de lucidez crónica deturpada pela ausência de coisas simples.

Eu não gosto destes jogos. Contrario a ordem das jogadas, apenas por não me conseguir encaixar neste perverso ritual social de obstrução ao sentimento. Não tenho paciência para jogos a fingir o que não sou. E assim perco o jogo, apenas por não ter jeito para estes esquemas, por não me incorporar neste costume idiota de esperar pelo que já chegou, por não me deixar corromper pela rotina mecânica da coisa.

E assim perdi apenas por ser eu.


* sónia

sexta-feira, outubro 22, 2004

A Noite

É noite. O sol coberto pelas nuvens carregadas de cinzento desaparece sem aviso.
É quase noite. Os faróis dos carros começam a surgir e na ponte uma corrida de luzes faz brilhar o Tejo.
Está a anoitecer. A cidade agita-se numa maratona rumo a encontros marcados e o rio e o céu ganham a mesma cor num compromisso diário.
Conheço-te enfim. Ao fim de anos falamos pela primeira vez e tu exiges um beijo meu – o beijo que há anos te quero dar.
Falas de música e de cinema e de arte e de bares e de gente e falas e não te calas e voltas a falar e eu ouço e eu sorrio e penso como és lindo e como agora sei o que antes apenas pensava ser possível um dia.
É noite. Finalmente a noite chegou e as luzes brilham mais, desenhando os contornos do rio, polvilhando a cidade de vida.
É noite escura e tudo está mais claro agora.

* sónia

quinta-feira, outubro 21, 2004

Recobro

"Faltavam dois minutos para as oito quando me puseram as agulhas; eram duas – grandes e finas. Direito às veias para o líquido se misturar com o sangue e num segundo perder toda a consciência. Não tive tempo para pensar na bola do Nivea – tão grande, nem de reaver o sabor do pão com manteiga. De te enganar com os cromos e acabar. O máximo que consegui foi prender o olhar nas lâmpadas azuis; Talvez nem tenham essa cor , mas é do que me lembro. Disso e do cheiro a éter.

O corpo displicente, deitado. E saber nesse instante tão longo que não há amor, antes ou depois do recobro, apenas uns segundos de torpor; Das veias azuis como as lâmpadas e o barulho das rodas pelo corredor.

O corpo é muito mais denso nos dias de calor. Nas palavras. E tão pouco misturado com o líquido frio; Suportável, mas frio. O que é que acontece quando eles têm as máscaras postas, as luvas apertadas nos pulsos e nos cotovelos; Os murmúrios. As máquinas que nos mantêm. Os frascos, os tubos que filtram os bocados abraçados ao álcool.

E mesmo que esperes, mesmo que o medo te faça pensar que o amor salva, Desintegro-me nos instrumentos de metal. Gelados. Repara: o corpo desaparece aos poucos. Se tivesse um segundo, se os lábios não estivessem tão secos e o sabor a cobre não se enrolasse na garganta. Haveria um tempo e talvez fosse crente ao ponto de acreditar.

Implacável o tempo. Tantas cores em volta de um lençol branco. As paredes estão pintadas de verde-água, a mesma cor das batas ligeiramente largas, ligeiramente falsas. Em cima da mesa de cabeceira, um bloco de notas em branco porque ainda não sabes que me terei esquecido de todas as palavras e já não há tempo; Estarei lá dentro três ou quatro horas inerte. Não tenho medo: o corpo – quero dizer, o amor deu-se bem com os complexos químicos – dezenas e dezenas de miligramas. A garganta desfeita, áspera. Mergulha – em breve esquecerei tudo e quando acordar saberei o silêncio de cor.

Descrevi-te os sintomas com o detalhe maçador das cidades distantes. Agora sossega. Os cães estão exaustos de cansaço e de frio. Sinto-me bem aqui, na sala asséptica. Está tudo limpo, organizado. O coração perfeito – bastante mais calmo."

(Helena Mascarenhas)


* sónia

segunda-feira, outubro 18, 2004

Apareces do Nada...

Apareces do nada e desenhas um sorriso na minha cara. Apareces do nada enquanto leio as palavras que me fizeste escrever. Apareces do nada como se tivéssemos marcado um encontro - e uma vez mais chegas atrasado. Apareces do nada e ainda bem que vieste hoje. Apareces do nada e o teu reflexo no vidro faz-me pensar que tudo é irreal. Apareces do nada e eu fico apenas a olhar para ti. Apareces do nada e o nada é simples e o nada é tanto. Apareces do nada e eu estava apenas à tua espera.

* sónia

sábado, outubro 16, 2004

...

O gelo derreteu. Bebo cada gesto com um sorriso quente. A luz da sala torna tudo mais simples e a multidão sombria desaparece num segundo. As vozes dançam com os risos e o conforto da confissão abranda o ritmo da excitante falta de ar - e o ar hoje até está limpo. O pequeno sofá está longe demais para me tocares e para eu te tocar, mas isso não interessa agora. O nevoeiro surge e os sons dissipam-se vagamente. Tudo é simples. Tudo é mais simples por estares aqui apenas. O toque dos teus dedos na minha face, o calor da tua pele no meu peito, os lábios molhados no teu pescoço - todos os beijos e todos os desejos num momento apenas. O ritual das fogueiras expande o tempo e precede o longo abandono e eu enrosco-me nos teus braços num abraço calmo. O gelo já derreteu. É bom ser tudo mais simples. E o meu pecado é querer sempre mais.

* sónia

sábado, outubro 09, 2004

...

O Verão acabou hoje e o Outono trouxe consigo as folhas caídas que já espalhou pela cidade. As pessoas correm, fogem da chuva, e voltam a correr com chapéus-de-chuva estilhaçados pelo vento - e a chuva até é doce, até é bom senti-la a cair.
O Verão acabou hoje. Ainda ontem parecia demasiado longo e hoje a chuva chegou. O calor era insuportável mas o frio não parece melhor. E tudo continua aqui. Ao vazio do Verão sucede o vazio do Outono. E eu continuo sem saber o que fazer com isto. Se ao menos as folhas caídas me mostrassem o que é isto, se a chuva limpasse o lixo e revelasse o belo, se tudo isto pudesse ser um dia aquilo sem deixar de ser isto. Mas não. Ainda não vi as folhas caídas e a chuva ainda não me molhou e isto ainda continua aqui.


* sónia

sexta-feira, outubro 08, 2004

*

Um pouco de Verão agora que é Outono...

"Não
Oh, não
Não te esqueças de mim
Assim
triste, só e abandonado
gelado!
Gelado!!!"

(Perna-de-Pau, Epá e Super Maxi Song)


*sónia

terça-feira, outubro 05, 2004

Change Your Heart

Estou com graves problemas cardíacos e o meu corpo foi vencido pelo cansaço dos dias. Não sei se consigo voltar a fazer tudo de novo. Pressinto que a minha doença só se vai extinguir com um transplante – preciso de um coração novo.

É mais grave do que eu pensava e mais urgente do que os médicos previram. Estou cansada. O meu corpo está farto de tratamentos cosméticos e o meu coração não vai resistir a mais um episódio crítico. Sempre que se aproxima o momento crucial, o meu coração agita-se, o sangue avança em sentido contrário, as veias entopem-se, eu entro em estado de combustão interna, as hemorragias multiplicam-se e tudo em meu redor paralisa, inclusive eu.

Raramente vou ao hospital e a urgência é tal que o médico cardiologista trepa até ao meu quarto. "Precisa de um coração novo", o que confirma o meu diagnóstico inicial, "o seu está viciado e não tem conserto possível", termina o cardiologista, abandonando-me movido pelo desalento da impotência, apesar de insistir comigo, apesar de me querer amar.

Preciso de um coração novo. O que tenho ficou preso no tempo e não consigo fazê-lo regressar ao presente - está demasiado enterrado numa espécie de teia, de crenças cobertas pelo manto dos possíveis mas que teimam em não acontecer. Já é tempo de tudo desaparecer de vez. Já não consigo fazer nada com este órgão - está fatigado, cansado, incapaz de retomar o ciclo.

O meu coração está estragado e nem o cardiologista lhe consegue retirar os vícios do tempo - está impróprio para consumo e o prazo de validade expirou sem eu me aperceber. Preciso de um coração novo, já. Por isso, pára de olhar para mim e "wash away my tears from your face" (Tim Booth)... porque afinal, é só mais um começo.

O meu coração está estragado. Preciso de um coração novo e já estou em lista de espera.


* sónia

sábado, outubro 02, 2004

Fica Comigo II

...
"eu abro a porta de casa e não sei se abra a luz porque não sei se fique às escuras e abro a luz e tanto faz agora posso ir para a direita para a esquerda e em frente não sei se vou para a direita se vou para a esquerda vou para onde é preciso ir para fazer isto ou aquilo dar comida ao gato fechar todas as janelas por causa da chuva comer para não ter fome aquecer-me para não ter frio deitar-me para ter sono e depois isso acaba já não há nada a decidir eu não estou em lado nenhum

eu abro a porta de casa e há milhões de pessoas que se acendem e apagam milhões de segredos a abrir e a fechar o amor a ser por ser o amor sem falta o amor que falta e não não há milhões de nada há tu não estares aqui há isso estar por toda a parte sem eu poder sair ou entrar disso sem poder dizer agora vou-me embora desta falta não há saída

eu abro a porta de casa e todo o meu tempo passa à velocidade da luz de baixo para cima de trás para diante até às pálpebras e então abro os olhos para começar o dia pronto é aqui que o meu tempo está e começo o dia é assim que se diz estendo as pernas dentro do lençol estendo o corpo para o lado onde tu não estás e digo algo diz dentro de mim para mim começa o dia mas é como uma sombra que se levanta de um corpo ao crepúsculo

eu abro a porta de casa e saio e a porta continua fechada desço os degraus saio para a rua e não há degraus nem rua as mulheres estendem os seus tapetes para bordarem pela manhã os homens murmuram pelas esquinas e as vozes serão vozes como se nada tivesse acontecido

eu abro a porta de casa todo o tempo quanto tempo para sempre e mais um dia stay with me."

(A. Lucas Coelho)

* sónia

sexta-feira, outubro 01, 2004

Fica Comigo I

"eu abro a porta de casa e a casa é demasiado grande e a casa é demasiado pequena e o vento sopra por todos os lados e em cima as plantas baloiçam a madressilva a camomila a rosa-chá como barcos presos à terra ou como homens que esperam com as suas folhas ainda verdes antes que seja outono e já é inverno

eu abro a porta de casa e o teu rosto flutua diante da água com malmequeres um pouco à direita o teu rosto enquanto pensa é quando a luz lhe bate e os teus olhos se tornam verdes os teus dedos passam entre o cabelo os teus pés andam descalços no soalho é um espelho das nuvens um espelho dos barcos o soalho e os teus pés vão e vêm sobre as nuvens e sobre os barcos um som seco leve manso eu nem te vejo nem preciso de te ver sei que estás ali sabia e enrolo-me no sofá um bocadinho mais como os gatos e basta estender a mão bastava

eu abro a porta de casa e o amor desata a bater como tambores bate bate cada vez mais alto como se tudo se calasse de repente e ao centro batesse um possuído tu tu tu oiço-te rir a casa está vazia e eu ouço-te rir ris na minha cabeça inclinas o tronco para trás e a tua boca abre-se como um relâmpago e tu ris ao lado dos malmequeres entre o azul turquesa e o laranja tu ris eu oiço agora e tudo se expande e se extingue tão velozmente como quem respira

eu abro a porta de casa e todas as coisas estão quietas todas as coisas que estão no espaço à minha volta todos os dias e todas as noites todo o tempo toda a temperatura de quando se está vivo ao lado de alguém contigo e talvez no andar de baixo alguém volte o corpo devagar enquanto dorme com a testa ligeiramente transpirada e no telhado poisem pedaços de papel ardente como poisaram certa manhã"

...

(A. Lucas Coelho)

* sónia