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domingo, agosto 22, 2004

Amigo

Fecho a porta e na esquina esbarro com o único amigo que tive em 22 anos. Alguém que permaneceu comigo quando eu nem sequer sabia quem era ou quem queria ser, quando nem sequer pensava em pensar nisso. Acho que ainda hoje só tenho um frágil esboço do caminho que quero seguir. Não me aflige, já não me tira o sono à noite. Eu nunca soube ao certo o que queria [ou se calhar sempre soube demasiado bem e o medo impedia-me de o dizer ou fazer] e sempre decidi na urgência de virar a página. Não me aflige. Não gosto de agendas planeadas e de percursos estabelecidos. Tenho horror a que me digam o que fazer. Acho que por teimosia muitas vezes faço o oposto do que os outros têm planeado para mim, apenas para não cumprir o que estipulam por ordem divina.

Apenas tive um amigo em 22 anos. Um rapaz que me viu crescer e que cresceu comigo. Crescemos e aprendemos juntos os primeiros passos a caminho do incerto presente. Nessa altura, em que as andorinhas chegavam todos os anos com a mesma ânsia de saborear a Primavera, tudo era mais fácil porque tudo fazia parte da vida de uma criança a aprender quem ser num mundo de loucos com destino incerto. Tudo era possível. Era só esticar a mão e escolher. Tudo parecia longe e tudo está aqui agora.

“Assim vestida pareces uma criança”... Ainda sou, pai. Ainda não deixei de ser aquela menina que insiste em sonhar acordada. Ainda sou aquela criança que não se cansa em dizer «porquê?» e que pensa que alguém tem todas as respostas. Ainda tenho muitas perguntas mas tu já deixaste de me poder dar as respostas. Já nem sequer sabes que perguntas tenho feito, que dúvidas me têm assombrado, que incertezas permanecem em mim.

Hoje encontrei o meu único amigo. Tudo pareceu bem. Começámos juntos mas juntos não terminamos. Foste o meu único amigo. Durante anos, foste o único que ao olhar para mim não me retiraste cada peça de roupa apenas com um olhar incisivo. Nunca surgiu nada entre nós. Passámos juntos por muitas descobertas próprias de quem conhecia tão pouco o mundo. Fomos sempre amigos. Nunca sentimos mais. Nunca pensámos em sentir mais.

Agora penso que já não consigo ter amigos. Não percebo porquê mas afasto-me. Mais dia menos dia começam a querer mais e mais e para evitar tudo isso, afasto-me. Afasto os amigos que amo e os homens que não amo com um gesto só. Seria tudo perfeito se pudesse manter o amigo e ignorar o homem. Mas nem a perfeição mais divina consegue realizar tal profecia, de criar dois homens de um só.

Foi bom ver-te hoje. Fez-me lembrar quem fui ontem. E estranhamente, ou talvez não, mesmo sem planos e sem bússola, acho que sou hoje quem ontem sonhei ser.


* sónia

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

From Carina, também "sem planos e sem bússola":

Gostei muito, Sónia.
*s

22/8/04 16:53  
Anonymous Anónimo said...

From Carina, também "sem planos e sem bússola":

Gostei muito, Sónia. *s

22/8/04 16:57  
Anonymous Anónimo said...

...
"esperar...
mas mudar de esperança...
não esperar continuamente a mesma coisa
ainda que ela seja indefinida
mudar...
se hoje esperamos isto
e amanhã esperamos também isto,
digamos que este 'isto' é outra coisa...
e sê-lo-à porque não sendo nada,
será o que quisermos.
E mudar p'ra outra esperança
é quase pensar já satisfeita
a que deixámos.
esperar?... sim...
mas de quando em vez
mudar de esperança." (jorge de sena)


é tudo uma questão de tempo... uma questao de, de vez em quando, re-desenharmos tudo de novo... descobrir o norte... comprar uma bussula nova, ou como prefiro, manter a velha e apenas mudar de norte.

gostei muito sónia. nês. beijo

1/9/04 23:24  
Anonymous Anónimo said...

melhor.

20/1/06 02:47  

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