Messages in a Bottle

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sábado, junho 18, 2005

um pouco mais



estás tão perto
agora, estás aqui
perto de mim
quase te sinto
respirar
junto à pele seca
p'los dias vazios
de ti, quero mais
um beijo apenas, agora
não vás
estás tão perto
agora, estás aqui
um pouco mais de nada
que é tudo
agora, estás aqui
fica comigo
um pouco mais
só um pouco mais

terça-feira, junho 14, 2005

"leva-me p'ra casa"



Está calor. Pequenas gotículas de suor percorrem o meu corpo enquanto um velhote simpático me confidencia breves histórias coloridas.

Estou com pressa. Páro na loja da esquina uma vez mais para comprar ganchos de criança para o cabelo esguio que escorre pela face cansada.

Olho para trás. Lembro a cara do meu avô enquanto escovava o cabelo frágil do seu amor e o prendia cuidadosamente com pequeno gancho.

Não sou perfeita. Durante muito tempo pensei que poderia ser perfeita mas esse tempo expirou sem aviso e persigo agora a constante correcção da imperfeição.

Sinto a morte. Fecho os olhos e lembro as palavras "queria mais" na voz de quem sente o amor de uma vida apagar-se na fraqueza de uma coração moribundo.

Lembro-me de ti. Encharcados num mar de gente sinto-te perto e sigo-te com os olhos enquanto te afastas na multidão.

Sobrevivi. Após o choque a mão tremeu durante dias a fio e ainda hoje tenho pesadelos com as ondas que destruí no embate.

Ainda espero. Vi o meu cérebro por dentro e continuo sem perceber as cores do céu e o vôo dos pássaros quando estás perto.

Tenho sede. Sinto vontade de beber os teus beijos como água num deserto enquanto te sussurro ao ouvido "leva-me p'ra casa".

segunda-feira, junho 13, 2005

Quase nada

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Eugénio de Andrade

Lisboa

Esta névoa sobre a cidade, o rio,
as gaivotas doutros dias, barcos, gente
apressada ou com o tempo todo para perder,
esta névoa onde comeca a luz de Lisboa,
rosa e limão sobre o Tejo, esta luz de água,
nada mais quero de degrau em degrau.

Eugénio de Andrade

As mãos

Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.

Eugénio de Andrade

Amor

Cala-te, a luz arde entre os lábios,
e o amor não contempla, sempre
o amor procura, tacteia no escuro,
essa perna é tua?, esse braço?,
subo por ti de ramo em ramo,
respiro rente à tua boca,
abre-se a alma à lingua, morreria
agora se mo pedisses, dorme,
nunca o amor foi fácil, nunca,
também a terra morre.

Eugénio de Andrade

Sobre flancos e barcos

Havia ainda outro jardim o da minha vida
exíguo é certo mas o do meu olhar
são talvez dois pássaros que se amam
um sobre o outro ou dois cães de pé
é sempre a mesma inquietação

este delírio branco ou o rumor
da chuva sobre flancos e barcos
o inverno vai chegar
sobre a palha ainda quente a mão
uma doçura de abelha muito jovem

era o sopro distante das manhãs sobre o mar
e eu disse sentindo os seus passos nos pátios do coração
é o silêncio é por fim o silêncio
vai desabar

Eugénio de Andrade

Os amantes sem dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Eugénio de Andrade

terça-feira, junho 07, 2005

...



não percebo nada de pássaros
não percebo nada de flores
não percebo nada de carros
nem de computadores