Museu da Cerâmica de Sacavém
Exposição Jovens Artistas
Palavras Soltas
Os pescadores preparam-se para desafiar as vagas da noite. A praia despe-se. O sol preguiçoso começa a bocejar e as sombras da lua colam-se na areia ainda quente. Tudo agora é já ontem - sombras chinesas, vidas emprestadas, fotografias forçadas, o circo de sempre, figurantes de areia, um gato escondido debaixo da lua, guardanapos coloridos no céu.
Quando as palavras escavam buracos nos lábios que as retêm. Quando o tempo distorce o rumo das coisas. Quando tropeçamos em mensagens perdidas na corrida das ondas. Quando a vida escorre pelos dias nas ruas encharcadas de gente e o amor é fintado pelas esquinas. Quando os sonhos são esquecidos na urgência de virar a página. Quando nada acontece e tudo é um mistério, basta uma palavra solta para acender sorrisos.
Está frio. Apesar de tudo continua frio. E o Verão ainda ontem começou.
Tudo parecia longe e tudo está aqui agora. E aqui a vida é marcada pelo compasso ameno do ócio oxidante.
Vejo-te num reflexo de nós e a janela está fechada – fascinante e incómoda a imagem do que fomos.
Falso embuste não sentir – como seria bom agora.
Perverso ritual de obstrução ao sentimento, costume idiota de esperar pelo que já chegou.
Deixo-me morrer por instantes. Porque é que não posso simplesmente optar pelo mundo dos loucos?
Acordem e ponham os pés na terra, neste planeta se possível.
Que génio é o tempo! Apenas ao passar pelas nossas vidas resolve todos os turbilhões.
A música da cidade nas mãos de um mendigo e o destino largado ao acaso do fado.
Fecho os olhos, respiro o mar e lanço um último desejo às ondas. E talvez o rio me devolva os sonhos que lancei ao mar.